domingo, dezembro 11, 2005

A vida ou a morte...

Era noite. Uma noite como há muito não se via. Calma, serena, com um tom divino. A lua, esplendida como ela só, apadrinhava todo este fim de dia. Fim de uma etapa.
Sentei-me à janela, para observar as estrelas. A lonjura física não evitou a proximidade espiritual. São a minha única companhia de há já alguns anos. Vivo sozinho. Sempre vivi. Recordo o calor materno que me afagava o rosto, ainda em criança. Era como uma flor que apenas nasce uma vez em cada mil anos. Porém, e na mais injusta e cruel vivência, a flor murchou sem que lhe pudesse tocar no coração. Desde então, não mais “vi a luz do dia”. A noite passou a ser o meu porto, onde me restabeleço sempre.
Em toda a minha vida, a frustração de mais um dia era uma constante. E hoje não deixa de o ser, de facto. Sempre me senti perdido no meio de multidões. Tinha a certeza de que a mais pequena experiência de vida era o bastante para se ser feliz. E era--o, na realidade. Mas também é necessário saber ter felicidade. Eu nunca soube.
Um dia cruzei-me com uma curiosa senhora que me perguntou quem era eu. Dei comigo a questionar-me sobre o mesmo. Nunca me conheci... Mas essa mesma senhora aconselhou-me a encontrar-me. E eu, dentro de uma ambiciosa ganância, actuei com altivez, refutando qualquer sinal de emoção. Talvez essa atitude se devesse ao vazio psicológico que me comandava... E comanda.
Durante alguns tempos, busquei o autoconhecimento. Porém, foi em vão. Nunca soube quem era, e nem hoje sei. A senhora tinha razão, mas nunca lha dei.
Toda a vida fui perseguido por mim mesmo, e embora me quisesse apanhar, nunca deixei de correr... seria medo de me conhecer? Criei um mundo, habitado por mim e ninguém. Era o sorriso da lágrima alegre que alimentava esta ilusão. O conforto bem como a segurança revitalizavam essa falaciosa criação, pela qual sempre me guiei. Havia algo que me prendia àquele mundo... Algo...
A incompatibilidade com a realidade humana, fez dele um bem precioso, mas também o mais crucificador de todos os vilões.
Sempre falei de mim para comigo. A voz de outrem soava-me ao preto de uma rosa branca, à claridade da noite, à agitação do sossego... Era estranha a presença de outros seres no meu quotidiano. E nunca venci esse sentimento de estranheza.
O vazio... O vazio sempre me acompanhou na estrada da vida... E na da morte.
Algures no tempo, encontrei uma janela que guardei carinhosamente. Ela conhece-me... Utilizo-a todos os dias... Todas as noites. Ela e o vazio são as minhas companhias. Nunca me largam. Com eles percorro cenários do mais longínquo possível. Imagino vidas... mortes... curas... tudo o que me faz sentir... bem... ou pelo menos alguém.
Sempre descurei o físico... não sei o que é um espelho... aliás... conheço os da alma... mas nem desses achei...
O cheiro de Verão, traz-me à memória tudo e nada, simultaneamente... sem dó nem piedade...
Sinto... não nego... mas sofro... sempre sofri... nunca conheci outro estado, senão este do desespero, da luta, da angústia, do vazio, da depressão, da noite... da morte.
Eu e ninguém conhecemo-nos há alguns anos... foi uma magia, como não há igual. A paixão arrebatou-nos... e hoje... bem, hoje não nos separamos. A mescla de algo existente em mim esgotou-se, secou.
Mas... nunca deixei de me procurar...
As estrelas que há pouco referi, transcendem a liberdade mundana e oferecem-me o seu encanto. É na dita janela que as encontro. Nunca me falham... estão sempre lá. Diariamente, busco a sua luz... é a única claridade que me resta.
Hoje, não sofro mais... qualquer coisa mudou... penetrei por completo no mundo ilusório... e nele o sofrimento cessou.
Apesar de nunca me ter encontrado... permaneço impassível à passagem cronológica da vida... da morte.
É verdade, morri para o mundo... morri para a vida... morri para a claridade... morri para mim!
A fonte secou... não há mais vida para este pobre velho solitário... Num futuro próximo, a morte física atacará a ponta do meu corpo e aí estará completa a minha missão...
Não me conheço... nem quero já conhecer...
Morri assim, para mim, sem me chamar.

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